Opinião
Por: Liliane Quintas Vieira
A modernização constante da administração tributária, embalada pela agilidade e precisão proporcionadas pela inteligência artificial, tem elevado a eficiência dos processos fiscais a novos patamares. A operacionalização de declarações digitais dos contribuintes, interligadas com sofisticados sistemas de IA, não apenas facilita o cruzamento de dados, mas também aguça a capacidade do Fisco de identificar irregularidades, inaugurando uma era de fiscalização proativa e quase instantânea.
O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), por exemplo, fornece ao Fisco um acesso quase imediato a toda a movimentação contábil do contribuinte. Em uma era onde a maioria dos tributos é lançada por homologação, ou seja, apurados e pagos antecipadamente pelo contribuinte sem a intervenção imediata do Fisco, o papel da tecnologia não pode ser subestimado.
Ferramentas como o PGFN Analytics utilizam dados sobre bens do contribuinte para informar aos procuradores sobre a probabilidade de sucesso em execuções fiscais, direcionando assim, seus esforços para casos com maiores chances de recuperação de crédito fiscal. Exemplificando na prática, em maio de 2023 a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou a adoção de IA para aprimorar o lançamento, fiscalização e cobrança de tributos municipais, destacando os benefícios de simplificação de obrigações e aumento da transparência.
Apesar desse cenário futurista na apuração e revisão de tributos, um questionamento emerge: Por que, com tal avanço, o prazo decadencial para a revisão de lançamentos tributários pelo Fisco permanece ancorado em um período de cinco anos?
Com trilhões de reais atrelados ao passivo tributário no Brasil, estratégias diversas como transação tributária e reforma tributária têm sido discutidas como meio de mitigar esse imenso débito. Entretanto, além de estratégias para aliviar a dívida existente, é imperativo que o Estado adote medidas para prevenir o acúmulo futuro deste passivo.
A perpetuação de um prazo decadencial extenso, tal como está prescrito em nossa legislação, inegavelmente contribui para o crescimento desse passivo. A magnitude do montante apurado nas fiscalizações, que abrange cinco intensos anos de operações do contribuinte, muitas vezes culmina em uma dívida insustentável para este.
O problema tributário, quando identificado prontamente, pode ser solucionado com um investimento mínimo; ignorado, evolui para uma “infiltração” custosa e problematicamente intrincada.
É imperativo reconhecer que o propósito aqui não é tão somente beneficiar o contribuinte — o Fisco também arca com perdas substanciais devido ao acúmulo desse passivo. A impossibilidade do contribuinte liquidar a dívida geralmente culmina em táticas de postergação de pagamento (através de defesas e recursos administrativos, ou ainda, embargos à execução fiscal), eventualmente, na esperança de se beneficiar de um futuro parcelamento com abatimento de multa e juros. A depender do valor em discussão, um contencioso administrativo pode demorar mais de dez anos para ser definitivamente julgado, sendo que durante todo este prazo o débito permanece com a exigibilidade suspensa.
Alternativamente, a identificação e correção acelerada de erros tributários do contribuinte poderiam ser uma estratégia muito mais eficaz para a redução do passivo tributário, ampliando a receita e permitindo que o contribuinte continue suas operações sem a pressão de uma dívida que, com o tempo, deteriora a estrutura de seu negócio.
Acrescente-se que a adoção de um prazo decadencial mais enxuto pode impactar positivamente no julgamento das causas tributárias no âmbito das Cortes Superiores, diminuindo a necessidade de utilização da técnica de modulação, que visa adaptar os efeitos temporais das decisões para não causar impactos abruptos ou desproporcionais na realidade fiscal, tanto dos contribuintes quanto da administração pública.
Não raras vezes, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de causas tributárias, tem se socorrido à modulação de efeitos para absorver as consequências do reconhecimento da inconstitucionalidade ou constitucionalidade de determinada norma. Podemos citar, como exemplo, o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, RE 574.706/PR, conhecido como a “tese do século”, que até os dias de hoje tem fomentado discussões em relação à modulação aplicada. No julgamento do Tema 1093 — sobre o ICMS — Difal nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais não contribuintes do imposto, de modo semelhante foi aplicada a modulação de efeitos.
Nesse cenário, a redução do prazo decadencial, aliada à eficiência proporcionada pela IA, convergiriam para um sistema tributário mais ágil e seguro, onde a aplicação da modulação de efeitos, sendo uma medida excepcional, seria acionada com menos frequência.
Em última análise, a redefinição do prazo decadencial de lançamento também se alinha com o anseio por maior segurança jurídica no ambiente empresarial, fomentando um terreno mais estável e previsível para negócios e investimentos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
Escreva um comentário